domingo, 15 de maio de 2011

Mensagem para o Interior

Acordara antes do galo e olha que o galo acordava muito cedo, preparava uma chaleira de café, café plantado, colhido, torrado e moído por ela mesma, estranho é que o galo até àquelas horas continuava dormindo, mas talvez fosse culpa da galinha recém chegada que o galo de calça-comprida se adiantou em botar para dentro do seu galinheiro, assim, com pronome possessivo, do seu galirém. O rádio em AM chiava mais do que dizia alguma coisa, ela aborrecida correu para ajeitar o Bombril, afinal era justo acordar tão cedo e ainda perder o radialista anunciando as Mensagens Para o Interior? Plantou um tapa no meio do rádio, ele deu uma melhorada, mais um tapa na lateral e pronto o rádio desandou a falar que era uma beleza, talvez a pilha estivesse fraca, deixasse estar que quando seu Bené passasse pelo rio ela iria comprar uma dúzia de Rayovac das grandes e de preferência encomendar um rádio novo. Quando chegasse o tempo do açaí, quem sabe o seu Bené aceitasse trocar algumas latas do produto e alguns cachos de banana por um rádio que não precisava ser novo não, bastava funcionar.
Ao fundo uma canção dizia: “Faço tudo pra te encontrar, meu amor você não está em nenhum lugar, a você me dediquei, o meu amor te entreguei...” Era a música deles. Foi na festa de Santo Antônio, no rio Aranaizinho que eles se viram pela primeira vez, a verdade é que ela o viu primeiro durante o torneio de futebol cujo prêmio era um boi, o time dele era favorito, mas acabou perdendo para outro que tinha vindo da localidade de Periquitinho Verde, eles, por outro lado, não se chatearam, estava de bom tamanho a grade de cerveja do segundo lugar. Ela comentou com a prima que assistia ao jogo com ela o quanto o rapaz era bonito e logo descobriram que ele estava sem namorada no momento, mas que apesar da solteirice momentânea, ele era namorador feito o galo da sua casa.
A aparelhagem que tocava na festa era a São Paulo, dona dos melhores vinis, ele de banho tomado reparou nela ali pertinho no salão, ela retribuiu as olhadelas, e justo quando tocou a música que tocava agora na rádio ele tomou coragem e convidou-a para dançar uma parte, coisa muito rápida, só deu para ela dizer que se chamava Rosa e saber que ele se chamava Nailson, por que o seu Luis apareceu na porta do salão e fez cara de quem não gostou nenhum pouco de ver a filha dançando com o rapaz.
A próxima festa só seria dali dois meses e ele morava tão longe, há quatro horas de barco, mesmo assim ela esperou pacientemente pela festa e pela outra, e pela outra, de modo que se poderia dizer que estavam namorando, ainda que às escondidas.
“E atenção para as cartas dos nossos ouvintes”, disse o locutor, entrou a vinheta que dizia “Rádio Clubebebebebe, mensagem para o interior”, ela escutou um grito do galo, que não estava necessariamente cantando, mas não deu atenção, precisava saber se tinha alguma mensagem dele ou da mãe que estava para a cidade tendo neném. O locutor iniciou, “De Antônia para Santana no Rio Mutunquara. Santana, estimo que estas vos encontre com saúde, por aqui estamos bem, graças a Deus, só a mamãe que passou ruim das cadeiras estes dias, mas agora já ta melhor. Mando lembrança pra Jurema e aviso que não vou poder levar o corte que ela me pediu porque o dinheiro acabou, mas se ela ainda quiser é só mandar o dinheiro pelo Zé Pretinho ou pelo Curió que ainda vamos ficar por aqui até o dia vinte. Um abraço da sua irmã Antônia”. Ela nem sabia que a Totônia tava para a cidade, talvez tivesse ido no mesmo barco da linha que a sua mãe. O locutor leu mais cinco cartas e depois finalmente disse, “De Nailson para alguém no rio Aranaizinho. Adorei lhe conhecer, pena que o teu pai não gosta de mim e é só por isso que não digo o teu nome. Estou com saudade, estou esperando ansiosamente a festa de Gurupá. Quem sabe a gente pode se encontrar por lá. Não acredite no fuxico desse povo, esse pessoal fala muito. Se tudo der certo, eu já falei com meu pai, na festa de Gurupá mesmo eu te trago pra morar aqui. Eu já comecei a fazer uma casinha e queria muito saber se você vai ter coragem de fugir comigo. Por favor, tente me mandar a resposta por aquele meu amigo que sempre vai ai na tua vila. Um beijo cheio de saudade do rapaz que tanto lhe ama. Nailson”.
O coração quase lhe saiu pela boca, ainda bem que nem o pai nem a mãe estavam em casa, pois era capaz deles desconfiarem daquela história. O galo deu mais um grito no quintal, o locutor encerrou a sessão de carta sem dar notícias da sua mãe. Ela foi ver o motivo do escândalo do galo, mas a única coisa que viu foi o galo já sem vida, estrangulado por uma combóia.

3 comentários:

  1. Na parte da música: "“Faço tudo pra te encontrar, meu amor você não está em nenhum lugar..." bateu até uma nostalgia! Me lembrou as viagens de barco que fazia para Breves e até Belém com meus avós. Ver o pôr-do-sol passando por aqueles casebres na beira do rio, com as crianças tomando banho enquantos suas mães lavavam a roupa.

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  2. Eu não nego as minhas raizes ribeirinhas, não obstante, não ser necessáriamente regionalista... Essas imagens todas povoaram a minha infância no rio Aranaizinho, município de Bréves e creio que se meu pai não tivesse decidido vir morar para Macapá em 1993, certamente eu teria fugido numa festa como foi proposto a "Rosa" e a esta hora deveria estar com a minha escadinha e um buchão amassando açaí pro meu Nailson rsrsrsrsrsr (sim! o Nailson existe e é um lindo homem nortista de um metro e meio, olhos verdes e cabelos castanhos claros e tem dois filhos hoje com uma amiga muito querida).

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