quarta-feira, 25 de maio de 2011

E-mail: Eu e o Tempo

Sentou-se em frente ao computador decidida, depois de refletir por três semanas finalmente ela estava decidida a responder aquele bendito e-mail, mas o que dava raiva era aquela mania de protelar tudo, por que não agia como uma pessoa normal, pessoas normais leem seus e-mails e respondem, óbvio, pelo menos aqueles que valem a pena responder, ela queria responder, ela quis demais responder aquele e-mail tão bonito e inesperado, tão bom de ler, no entanto, sabe-se lá, estava sem palavras, fora culpa do e-mail, o e-mail a deixara sem palavras, de modo que depois de uma semana, talvez tivesse traçado um rascunho mental da resposta. “O tempo sempre me fez de gato e sapato. Não é à toa que meus pesadelos sempre são os mesmos: eu desesperadamente querendo chegar a um lugar e sempre muito atrasada, não consigo nunca! Esses pesadelos já estão tão cansativos que aprendi a controlar o meu medo deles. Digo pra mim mesma nos sonhos: já sei que não vou chegar atrasada, então vou me arrumar bem devagar e acabar com esse desespero... Na escola meu horário era da 2ª aula pra frente, eu não tinha mais cara de tanta história que eu inventava para porteiro me deixar pegar pelo menos uma vez na vida uma presença da primeira aula. Matei parente, tive várias doenças, fui atropelada, perdi o ônibus, a mais clássica era a que eu precisava entregar um trabalho valendo nota, só o meu bimestre valia 500 mil pontos, haja criatividade. Pra mim, o tempo sempre pareceu passar muito mais rápido do que pros outros, menstruei aos 10 anos, as outras meninas aos 12, 13 anos e eu só querendo brincar um pouco mais... Essa era a minha luta contra o tempo, sempre dando um jeitinho de esticá-lo, assim eu queria fazer o meu próprio tempo, fingindo não ter pressa. Prometi pra mim mesma que não faria nada sem antes garantir que eu estava pronta para aquilo e que realmente eu queria. Ignorei qualquer tipo de pressão psicológica, foram anos de treino... Às vezes eu me pego negando as coisas querendo elas. Acho que isso já virou mania. Mania de gente velha sabe, só pra não perder o costume. Mas a boa notícia é que o primeiro passo que gente viciada tem que dar é reconhecer que precisa de ajuda. E eu depois de muito custo já reconheci isso. O que eu faço agora? Espero? Bom nisso eu sou craque. Enquanto eu esperava essa resposta comecei a lembrar o porquê comecei a escrever esse texto. Ainda estou pensando naquele bendito e-mail que não respondi que ainda vou me desculpar por não ter respondido no tempo certo, mas quero fazer isso pessoalmente, odeio mal-entendidos e sou expert em deixar más impressões. A questão é que tenho tanta coisa pra te falar e tudo começa a partir do momento que li esse e-mail. Mas o que eu realmente queria falar era sobre o quanto eu fiquei feliz e envaidecida com o poema você leu pra mim, já perdi a conta de quantas vezes eu o reli. Adoro cada palavra, cada vírgula dele que sempre leio pausadamente... Porém o que mais me envaidece é ele ter vindo de quem veio. Pois eu também, assim como no poema, preciso confessar uma coisa. Não estou apaixonada. Meus sentimentos nada têm de avassalador ou repentino, muito pelo contrário, o que eu sinto veio bem devagar, como tudo o que é bom que eu já conquistei na vida. A verdade é que eu sou muito lenta pra perceber as coisas que gritam na minha cara, da mesma forma que demorei pra ler o e-mail, então disso você já sabia. O que eu queria que você soubesse é que eu te admiro tanto e passei a te admirar mais ainda depois de cada texto seu que li, depois que conversamos por telefone e depois de te ver recitando poemas no sarau. E creio que isso só tem a crescer. Estou encantada com teus textos que despertam em mim uma mistura de sensações e quando eu ler especificamente os poemas me lembrarei da tua cara cínica recitando poesia, aquele olhar que tirava minha roupa e me deixava sem jeito e sem saber o que fazer. Claro, além dos textos que você ainda vai escrever, os quais já espero com ansiedade. Estou falando dos seus textos, mas não posso deixar de falar de você, que me encantou com teu jeito, com esse teu poder de persuasão que acredito não existir ninguém que não se convença ou que resista a ele. Recapitulando: não é paixão o que eu sinto. Acho que é amor, porque eu amo o jeito que você fala estar apaixonada, já amo o teu sorriso, e amo o jeito que me convences das coisas. E quanto a mim? Acredito que a única coisa que me resta agora é te obedecer... Aposto que a próxima ordem tua vai ser […]”
Que raio de resposta era aquela, como ela poderia dizer tal coisa, talvez devesse refletir por mais uma semana, um mês quem sabe, talvez estivesse se confundido com sua forma de se exprimir ou interpretado tudo errado. É certo que recebera uma ligação sua no dia seguinte, chamada esta que durara duas horas, é certo que a outra a apanhara em casa e a levara para um evento totalmente inusitado como um sarau de poesia, é certo que fez caras e boca e lera vários poemas olhando-a diretamente nos olhos, é certo que a deixara em casa no final e ainda ficara para um café de cinco minutos, mas daí pensar, dizer o que estava dizendo nesta resposta absurda. Não! De modo algum mandaria tal resposta, se estivesse escrito aquilo tudo numa folha de papel é certo que neste instante restariam apenas os pedacinhos amassados dentro da lixeira sob a mesa do computador. De fato ela não tinha como rasgar sua resposta de e-mail, mas o botão “Delete” morava bem ao lado do “Enter” e ela estava prestes a “redecidir-se”. Onde estaria o porteiro da escola nesta hora, ele que conhecia suas melhores desculpas, onde estava ele na hora de responder um e-mail como aquele, será que ainda estava vivo para lembra-la de dizer simplesmente: “Olá. Só hoje li o seu e-mail, estava meio sem tempo de acessar a internet, você sabe como é. Não sei se te falei, mas estou com um parente internado no hospital, passo praticamente o dia todo lá, para completar peguei o ônibus errado outro dia e fui parar nos confins desta cidade que mal conheço, quando finalmente consegui pegar o ônibus correto ele quebrou, deu uma freada tão brusca que torci os dois punhos ao segurar firme o corrimão na ânsia de não me estatelar toda em cima dos outros passageiros e como se não bastasse tive que pedir ajuda a uma amiga, pois tinha um trabalho enorme da faculdade e sem poder digitar com os punhos inchados, foi o jeito recorrer terceiros. Bem, mas como ia dizendo, eu só li seu e-mail hoje, li de relance e só estou respondendo para que você não pense que a estou ignorando, quando tiver um tempo livre vou lê-lo de novo e mandar uma resposta decente. Um abraço. Virgínia.”
Apertou o “Delete” e com a nova resposta apertou o “Enter”, pois decididamente essa sim era a melhor resposta.


Por Aline Monteiro & Janete Lacerda

2 comentários:

  1. e não é que era mesmo uma crônica.
    ficou muito bom.

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  2. Olá...gostei dos textos!..e do café! nesse ponto somos parecidos!...se puder...dê uma olhadinha no que ando escrevendo...as vezes pensamos parecido...porém...to começando agora

    Abç

    http://ericcomc.blogspot.com/

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